sábado, 21 de outubro de 2006

"O Golpe da ideologização da campanha"

Transcrevo artigo de Ruy Fabiano publicado hoje no Blog do Noblat:
"O grande mérito da campanha petista neste segundo turno advém menos de seu candidato, Lula, e mais de seu departamento de marketing. Numa manobra competente, os marqueteiros petistas conseguiram tirar a campanha da delegacia de polícia (onde a haviam colocado os companheiros aloprados do presidente) e dar-lhe contornos ideológicos (se consistentes ou não, é outra história).
Saiu momentaneamente de cena o dossiê anti-Serrra, com seu cortejo de delitos e assessores presidenciais inacreditáveis, e assumiu o comando das ações a velha dicotomia esquerda-direita. Alckmin acabou sendo coadjuvante involuntário da manobra ao morder a isca das privatizações. Em vez de explicá-las, passou a defender-se delas.
Jurou que não mais as faria, confirmando perante a maciça maioria do eleitorado, que delas tem remota noção, a idéia de que são malignas para o país. De quebra, com o restabelecimento do debate maniqueísta e a revogação de seu viés criminal, a militância petista, que andava acanhada com as sucessivas quebras de decoro por parte de seu candidato e companheiros, voltou às ruas, bandeiras em punho, a exercer sua obstinada pressão. A memória dos delitos foi para o brejo – e de lá trouxe de volta ao pódio a candidatura Lula.
Alckmin e tucanos não souberam lidar com o tema da privatização, nem servir-se dele para uma abordagem diferenciada da mesma questão, sob um ponto de vista desfavorável ao adversário: o aparelhamento do Estado – este, sim, uma forma oblíqua e deletéria de privatizar, partidarizando o que é público.
Privatização não é, em si, um mal. Basta ver os números da expansão da telefonia brasileira depois de privatizado o Sistema Telebrás – números que o próprio Lula costuma proclamar como performance de seu governo (“Nunca houve, neste país...etc.”).
Há as privatizações necessárias e as inconvenientes – e podem e devem ser discutidas, mas o aparelhamento do Estado, sua ocupação física por pessoas de um único partido, a serviço tão-somente dos interesses da legenda, é nociva em qualquer circunstância.
Cabe aí uma ação crítica, que os tucanos inacreditavelmente não exerceram. Quantos cargos em comissão o governo Lula criou? Em quanto aumentou a despesa de pessoal e com os cartões corporativos só no âmbito do Palácio do Planalto? E a qualificação técnica dos companheiros nomeados para essas funções? Se ao menos existisse, seria menos chocante. Mas não é o caso.
Jorge Lorenzetti, por exemplo, um dos aloprados do escândalo do dossiê, é técnico em enfermagem, e, no entanto, ocupava – pasmem! - a Diretoria Administrativa do Banco do Estado de Santa Catarina, respeitável instituição estatal.
O que faz um enfermeiro em tal cargo? Como seria se um bacharel em administração de empresas ou um economista fosse chamado a uma sala de cirurgia para auxiliar um médico numa delicada operação? Se é assim que o governo Lula trata o Estado, então é hora de propor a reestatização da administração pública.
Com relação à Petrobrás, Alckmin deixou de explorar, em seu bojo, o atualíssimo e controverso tema da política externa de Lula. Poderia dizer, sem medo de errar, que, se alguém está em débito com nossa principal estatal, esse alguém é o governo Lula, que não reagiu ao ultraje que lhe impôs o governo Evo Morales, da Bolívia.
Como pode se arvorar em defensor da Petrobras quem a viu passivamente ser assaltada, manu militari, por um país vizinho e, além de não protestar e acionar os instrumentos legais de defesa, previstos no Direito Internacional – por exemplo: uma representação à Organização Mundial do Comércio -, solidarizou-se com o agressor?
No debate da TV Bandeirantes, em que o tema foi apenas tangenciado, Lula se enrolou. Disse que o povo da Bolívia é pobre (e o nosso é o quê?) e tem direito a explorar suas riquezas. Nenhuma menção ao fato de que a Petrobras era o instrumento de que se servia o povo da Bolívia para explorar sua riqueza natural, mediante contrato, em que a cada parte cabe uma remuneração.
Contrato pressupõe convergência entre as partes. Pode ser rediscutido, mas não violado – e muito menos acrescido do roubo do patrimônio de uma das partes. É crime. E quem tem o dever constitucional de agir em tal circunstância e não o faz peca por omissão. Juridicamente, isso tem nome – e conseqüências.
O debate sucessório, no entanto, banalizou-se em torno da dinossáurica mística esquerda x direita, dicotomia fictícia que sataniza o adversário e, a partir daí, torna desnecessária a discussão de programas, práticas e critérios de governo.
Basta bradar que o adversário é “de direita”, ou que vai privatizar a Petrobras, ou ainda que “pertence à Opus Dei” (mesmo não pertencendo e mesmo que a imensa maioria desconheça o que é efetivamente aquela inofensiva prelazia de beatos da Igreja Católica) para encerrar o assunto.
O maniqueísmo político favorece o simplismo e é um prato cheio para marqueteiros e militantes. E aí, convenhamos, o PT nada de braçada. A menos que a campanha volte à delegacia – e esse retorno seja retumbante – não há reversão à vista."

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