segunda-feira, 23 de julho de 2012

O "a quem interessa" da questão Síria


Um leitor do blog do Gustavo Chacra critica o outro por não ter escrito seu comentário, segundo ele "bem".
A questão Síria aflora sentimentos, contra ou a favor, mas exige equilíbrio.
Ficar na ofensa pessoal ao invés de refletir sobre a situação, não leva a nada.
No meu caso posso não escrever bem, como também posso não gostar de bandidos, como para implicar com o leitor disse o outro.
Mas uma virtude tenho: aprendi a pensar com minha própria cabeça.
O que o leitor Carlos Humberto diz é fruto da sua opinião, daquilo que viu, leu, ouviu com a sua maneira de pensar.
Ou por acaso Bush, e sua melhor discípula Hillary, não são bandidos?
Netanyahu, com sua politica na Palestina, será que também não é?
Putin na Chechenya, os turcos, etc, etc.
Ontem aconteceu um atentado no Iraque que matou mais que um massacre na Síria. Cade o clamor, a insatisfação.
Assad é fruto dos americanos, assim como Noriega foi, e outros ditadores são.
Pensar com sua própria cabeça, e fazer a pergunta "a quem interessa" antes de se submeter ao noticiário é uma atitude sensata.
Na Síria o que dói e ver a repetição das mesmas políticas colonizadoras, que tanto mal fizeram a África e a outros continentes, por conta de interesses econômicos.
Prefiro estar do lado do pau-mandado Annan, e pensar como Lennon "give peace a chance".
Essa história dos blefes de Assad não é factível, pois a cada movimento seu na direção de um acordo, os insurgentes aumentam a violência. E ninguém diz nada! Será que não pensaram que matando parte do núcleo do poder haveria mais repressão e violência?
Carlos Humberto tem razão, me diga um, somente unzinho dos inimigos de Israel-EUA que não seja taxado de ditador.
E vamos parar com essa história de que para pensar tem que se escrever bem.

domingo, 22 de julho de 2012

Uma Análise Feminina da Situação na Síria


'Assad se agarrará ao poder e lutará até o último minuto', diz cientista política de Oxford
De Genebra, Marwa Daoudy conversou com o Estado de São Paulo.

Como interpretar os acontecimentos da Síria nessa semana? O que se pode esperar?

A operação foi decisiva. Ao mirar a sede da Segurança Nacional em Damasco, os rebeldes acertaram o coração do regime, matando o terceiro homem mais poderoso do país, o general Asef Shawkat, cunhado do presidente. Esse é o começo do fim para Bashar Assad, como quer a oposição? Não sei. Mas não acredito que o regime vá entrar em colapso nos próximos dias. Acredito que Assad se agarrará ao poder e lutará até o último minuto, e pode ter um amargo fim. Até lá, haverá ainda mais violência na Síria, confrontos entre os insurgentes armados e o Exército do regime espalhados por todo o país. No entanto, as batalhas travadas na capital são decisivas e representam uma reviravolta. A vulnerabilidade do regime foi exposta pela primeira vez.

Nos últimos dias, Assad perdeu o apoio de militares e diplomatas. O presidente está sendo abandonado?

As deserções estão aumentando, principalmente a partir da postura assumida pelo general Manaf Tlass. E aumentarão, com peso significativo, sobretudo após o atentado rebelde na quarta-feira. O fato de que os insurgentes foram capazes de matar oficiais do alto escalão das forças armadas alavancou a resistência e encorajou militares a abandonar o barco. Entretanto, a elite militar, constituída pelos alauitas, próximos do poder, continua leal a Assad.

O presidente pode usar armas químicas?

Na minha temporada nos Estados Unidos, ouvi de fontes militares que os americanos e os israelenses já estavam se preparando para a possibilidade de a Síria usar armas químicas. Mas em minha opinião o regime está muito relutante em usá-las, porque sabe que isso detonaria a condenação imediata da comunidade internacional. Se o governo apelar para as armas químicas, será realmente o último dos últimos recursos. E seria suicídio, porque sabe que Estados Unidos e Israel estão em alerta. Se Assad usar as armas, perderá o apoio da Rússia e abrirá as portas para a intervenção na Síria. Seria uma ação totalmente irracional. Na minha opinião, não há risco iminente de Assad lançar mão desse recurso. Mas quem sabe o que o regime desesperado faria para sobreviver? Além disso, se os israelenses decidissem atacar, as consequências ultrapassariam as fronteiras sírias e chegariam ao Irã, o que certamente pavimentaria o caminho para a regionalização, se não a internacionalização, do conflito.

Qual é o papel das Nações Unidas nessa guerra civil?

A ONU pode aumentar a pressão sobre o regime, ampliando suas sanções - mas contra os oficiais do governo, seus movimentos e seus ativos (e não contra os recursos e fontes do país, o que provocaria mais impacto negativo na vida cotidiana da população). Não apoio uma intervenção militar estrangeira, seja votada pelas Nações Unidas, seja decidida fora dela. Uma intervenção prolongaria o conflito e abriria caminho para proxy wars no território sírio. A revolução deve ser lutada e vencida por dentro, para garantir sua legitimidade. Qualquer intervenção militar estrangeira, com tropas e força aérea, seria inaceitável e comprometeria uma transição pós-Assad. Custaria muito aos sírios no longo prazo. Claro, sem a intervenção, o preço também é alto - afinal, o regime está dizimando civis. Mas na minha perspectiva uma intervenção ampliaria o problema no tempo (a duração do conflito) e no espaço (as fronteiras), porque envolveria agendas políticas de outras potências. E não só a dos Estados Unidos, pois também temos atores regionais importantes como Israel, Irã, Catar e Arábia Saudita. Então a Síria se tornaria uma plataforma para interesses externos. Isso, na minha visão, poderia transformar a Síria em um novo Iraque. Mas será outra história se a revolução for vencida por dentro. E o que assistimos nessa semana é um indicativo de que isso pode acontecer, pois os rebeldes golpearam o coração do regime com armas e táticas próprias.

Como a sra. analisa o veto de China e Rússia a sanções no Conselho de Segurança?

Não foi surpresa. China e Rússia têm tomado continuamente posições contrárias à mudança de regime na Síria. Viram que a imposição de sanções, econômicas e diplomáticas, logo levaria a isso. Os russos também sentem que foram enganados no passado, com a operação na Líbia - na época, a questão foi redirecionada de "proteção a civis" para "mudança de regime". E eles sentem que a situação pode se repetir na Síria, o que disparou um alarme para chineses e russos. Afinal, Rússia e China não querem que isso seja usado como precedente para futuras operações sob o mesmo pretexto de violações dos direitos humanos. A Rússia também está tentando preservar seus interesses estratégicos no Oriente Médio através das relações com a Síria. Atualmente, o jogo do poder é principalmente jogado contra os Estados Unidos, pois a Rússia quer mostrar que ainda tem voz no tabuleiro geopolítico.

Quais são os atores em jogo na resistência contra Assad?

Atualmente, há dois diferentes movimentos de oposição claros: a resistência pacífica e a insurgência armada. Mas é bom lembrar que a revolução começou como um movimento não violento a favor da justiça socioeconômica. No entanto, como civis, principalmente os desarmados, foram brutalmente torturados e sitiados por forças do regime, parte da população se deslocou para a insurgência armada para se defender. E, num certo ponto, percebeu que a defesa não era mais suficiente e partiu para a ofensiva. No plano militar, o Exército Sírio Livre emergiu como principal jogador. É formado por civis e soldados desertores, além de apoiado tanto pelos Comitês de Coordenação Locais (a rede de movimentos de oposição) quanto pelos movimentos de oposição externa, como o Conselho Nacional Sírio, e potências estrangeiras. Fontes de inteligência também mostram que existem cerca de cem grupos rebeldes operando no país, alguns ainda desconhecidos. E se acredita que jihadistas do Iraque se infiltraram nas fronteiras e estão operando contra as forças do regime - tentando transformar a revolução em uma revolução islâmica. Mas há ainda um ativismo não violento muito forte na Síria promovendo ações de "desobediência civil". Por exemplo, mercados no coração de Damasco que não abrem suas portas como forma de protesto diante dos assassinatos. Mas agora os comerciantes desses mercados vêm sendo muitas vezes forçados pela polícia a abrir suas lojas, porque as forças do regime já sabem que se trata de desobediência. Então, essa tendência de oposição pacífica está ficando à margem. Com essa crescente complexidade da resistência, está ficando cada vez mais difícil identificar quem é quem entre os rebeldes.

Qual é o papel das mulheres na resistência? Há espaço para elas?

Sim, definitivamente. As mulheres são um dos principais pilares da sociedade civil síria. Elas efetivamente contribuíram para os levantes não violentos desde o início da revolução. E continuam sendo uma parte importante junto às comissões de coordenação locais e movimentos oposicionistas. A Síria é um Estado secular, muito relacionado à ideologia socialista progressista que promoveu os direitos das mulheres. Então, as mulheres estudam, trabalham e se destacam na política. Elas são ativistas, esposas, estudantes, irmãs, filhas, mães, profissionais, que emergem para contribuir com o esforço coletivo de resistência. Algumas inclusive pagaram um preço alto: os massacres em Homs, Houle e Tremesh visaram principalmente às mulheres e suas crianças. Muitas mulheres e garotas foram estupradas, como forma de reimpor o pavor e a vergonha em uma sociedade que já tinha se libertado do medo e da dominação. Apesar disso, a participação feminina continua forte - inclusive a de algumas antigas alunas minhas em Damasco. O futuro pós-Assad precisa reconhecer o papel das mulheres e dar a elas as posições merecidas na sociedade e na política.

Onde estão os intelectuais sírios?

Alguns tomaram uma posição revolucionária. Outros preferiram uma postura mais "prudente" contra as consequências não desejadas. Muitos escritores e pensadores condenaram as ações do regime e agora pedem uma transição política. O debate foca a trilha a ser percorrida para dar fim à crise. Deveria ser em diálogo com o regime? Ou deveria atravessar o regime comprometido por crimes e com muito sangue nas mãos? Apesar do autoritarismo do regime, a sociedade civil síria sempre foi muito vibrante. Ativistas de direitos humanos e intelectuais têm se mobilizado continuamente, e se fazem ouvir, através de petições e críticas em jornais libaneses e até sírios. Sim, foram atormentados, presos e torturados. Mas não desistiram. Muitos dissidentes históricos e intelectuais sírios, como Michel Kilo, Riad Turk e Riad Seif, continuam vivendo na resistência na Síria.

Que ecos da Primavera Árabe vemos na Síria agora?

Nós estamos realmente testemunhando um novo capítulo da Primavera Árabe, com esses desdobramentos na Síria. A Primavera Árabe definitivamente está lá. No entanto, depois de mais de um ano de levantes populares, a revolução na Síria ainda está lutando para conquistar o que pretende. Uma coisa é certa: as mudanças são irreversíveis. O regime certamente cairá. As questões que interessam agora são: como? Quando? E será derrubado por quem?