Naquele ano eu não estudava. Meu trabalho na repartição tinha me levado a ilusão de que ser funcionário público era uma grande coisa. Estudar para que, se já tinha um emprego fixo.
Do dia do golpe não me lembro. Acho que a repartição não funcionou e eu estava em casa.
Lembro apenas de ter saído com um amigo para ir a Faculdade de Química, na Praia Vermelha, para pegar um material que ele julgava poder incrimina-lo com os militares caso, por algum motivo fosse preso.
Esse era o clima daqueles dias. Os que marcharam por Deus, pela família e pela liberdade caçavam comunistas, sindicalistas e lideres estudantis como se fossem monstros.
Os tanques nas ruas intimidavam pelo seu tamanho, e não vi milicos a pé.
Aos poucos a paranoia também me atingiu. Lembro de ter escondido meus libretos do CPC, minhas revistas da Civilização Brasileira, jornais dos sindicatos, literatura marxista, embora não fosse militante estudantil nem membro de algum partido.
Foi um ano difícil para mim. Minha mãe, uma mal-amada, fã do Carlos Lacerda. Meus tios emprestados, da casa de onde não saiamos, comunistas de carteirinha.
Meu tio Darci um líder sindical atuante, minha tia Isolda sobrinha de um grandalhão do partidão.
Lembro de como ficávamos com medo quando avistámos algum carro da polícia. Em sua casa havia sempre uma valise pronta para o caso de prisão de alguém que lá estivesse abrigado.
Lembro também de ter ido ao enterro de alguém daquela casa, membro do PCB, com todos cantando o hino da internacional socialista.
No ano seguinte voltei a estudar. Entrei para o Liceu Nilo Peçanha e minha consciência política começou a aumentar, me conscientizando da excrecência daquele golpe militar.
Em 1968 com o pau quebrando nas ruas resolvi me casar, como um álibi para fugir da luta armada.