quarta-feira, 15 de agosto de 2007

O homem e o mito

Quanta burrice e ignorância nos comentários que tenho lido a respeito da entrevista do João Moreira Sales com o Fernando Henrique Cardozo. Querer colocar a entrevista como um texto do jornalismo político é esquecer as origens de documentarista do autor. Quem assistiu "Entreatos", e o documentário que ele fez com seu mordomo entenderá melhor a qualidade do texto da entrevista. O respeito que João tem pela figura humana, seu nível de educação, cultura e delicadeza o distanciam dessa coisa torpe da polílitica nacional. Assistindo (lendo) aos 3 trabalhos nota-se que FHC é um senhor com quase 80 anos; Lula um operário que chegava ao poder, e seu mordomo um humilde servo deslumbrado com aristocracia. Em nenhum momento João buscou a opinião de FHC sobre política, se ele a dá é porque quer. Assim como não buscou a do Lula, e nem quis saber do seu mordomo o que pensava sobre a luta de classes. Buscou em todos, com olhar de documentarista a simplicidade do gesto, o distanciamento na atitude pública, o sentimento daquele momento. Em "Entreatos" quando Lula entra na barbearia e fala ao barbeiro que ele poderia estar diante do presidente, a câmera não destaca uma pretensa arrogância, mas sim a felicidade do trabalhador, prestes a dirigir a nação. Quando seu mordomo se posta com humildade diante do ex-patrão seu olhar busca apenas o orgulho do homem que conviveu com a aristocracia. Com FHC nada diferente: imagina-se diante de um ex-presidente que humildemente deixa-se mostrar sem sapatos diante do raio-x de um aeroporto. Seu olhar procura o homem que nada guardou da pompa e circunstância do cerimonial. Massacrar FHC é esculhambar com o talento do João. Imagina o que essa gente faria diante de uma foto, de uma obra em um museu de um Hitler regando flores pintado por um Picasso, por exemplo. Seriam capazes de empastelar e de jogar ao chão. Não gosto do Lula, mas assisti "Entreatos" com o olhar pregado na tela, fixado naquela câmera ágil que busca, não a propaganda de um partido mas o homem, conseguindo estabelecer o contraste com aquilo que viria depois. Com FHC deu-se o contrário. Derruba o mito do imperador que alguém na mídia tentou vender.

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