sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Relatos de Gaza (1)

Nirmeen Kharma Elsarraj, mãe de Nour Kharma

"Este é o quinto dia da operação militar em Gaza, chamada de "Cast Lead". Terror e destruição estão por toda parte.
Há coisas que não estão sendo bem transmitidas no noticiário; os sentimentos! Eu tenho três filhos – uma filha, Nour, de 14 anos; e dois filhos, Adam, de nove, e Ali, de três.
Nós vivemos em uma área na Cidade de Gaza que era descrita como "segura". Nenhum lugar pode mais ser considerado seguro. Meus filhos não conseguem dormir, e eu não consigo ajudá-los.
Será que eu fui tão egoísta de pensar apenas na minha vontade de ser mãe, e ignorei o provável fracasso que eu seria em proteger meus filhos?

Os sentimentos de inutilidade e culpa – que sempre acompanham a sua impossibilidade de proteger ou pelo menos confortar os seus filhos – são sempre mais forte do que os de medo e horror.
Minha filha estava contando a um jornalista, ontem pelo telefone, que ela nunca teve o apoio que precisava de mim quando nós estávamos sendo bombardeados. Eu fiquei chocada!
Eu me senti tão culpada porque a minha filha sentiu meu medo. Mas não é normal estar com medo, em meio a tudo isso?
Adam é asmático e usa um ventilador médico. Devido ao estresse e à poluição causada pelos escombros, ele está tendo ataques de asma cada vez mais freqüentes, e não temos eletricidade para o seu aparelho.
Cada vez que ele tem um ataque nós temos que ligar um gerador para ele, e logo em seguida desligar o aparelho. Não temos combustível suficiente para manter o gerador ligado e não temos idéias de por quanto tempo isso vai continuar.
Minha filha estava contando a um jornalista, ontem pelo telefone, que ela nunca teve o apoio que precisava de mim quando nós estávamos sendo bombardeados.

Ali não tem idéia do que está acontecendo. A única coisa que ele faz é berrar quando começam as bombas, e quando tudo acaba ele usa a sua imaginação para contar histórias sobre bombas.
As crianças não dormem. Nós passamos dias e noites em um quarto com minha cunhada e a sua filha. Dá para sentir o estresse e o medo. Dá para ver isso na cara de todos.
Na noite passada, eu estava pensando sobre tudo isso. Eu não quero que ninguém da minha família se machuque e eu penso que se alguma coisa acontecer, eu rezo para que aconteça comigo, e não com os meus filhos.
Mas depois eu penso que não quero que meus filhos me vejam despedaçada. As cenas na TV de pessoas morrendo são tão assustadoras, e eu sei o que significa para as crianças elas verem essas coisas.
O que eu realmente quero é que isso tudo acabe e que eu e meus filhos possamos viver como qualquer um no mundo. Eu quero me livrar dos sentimentos de culpa em relação aos meus filhos.
Eu estava errada em ter filhos? Eu não tenho o direito de ser mãe? Eu estou realmente fazendo um trabalho de mãe de ser uma fonte de conforto para os meus filhos?
Eu sei que não é minha culpa, mas eu sei que eu vivo na Faixa de Gaza, e Gaza nunca foi um ambiente saudável para se criar filhos.
Será que eu fui tão egoísta de pensar apenas na minha vontade de ser mãe e ignorei o provável fracasso que eu seria em proteger meus filhos?"

Do site da BBCBrasil

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